segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

CRÓNICA BREVE [em três partes]



 2: S. FRUTUOSO

Os acontecimentos relatados anteriormente passaram-se no início do séc. XII. Recuemos, agora, até ao séc. VII e entremos no Reino dos Visigodos.

Os Visigodos, se bem se lembram, conquistaram a Península Ibérica no séc. V. Eram um daqueles povos vindos lá da Germânia, sem um pingo daquilo a que os romanos chamavam civilização: hábitos de vida refinados, aspecto asseado, belas cidades, um sistema de leis organizado (o direito), uma cultura primorosa, etc. Ora, no séc. VII já estes bárbaros conviviam havia 200 anos com os romanos e tentavam parecer-se com eles. Para nossa sorte, adoptaram muitas  das coisas boas que viram, sobretudo a Língua e o Cristianismo que o Império perfilhara no fim dos seus dias. No íntimo continuavam rudes, mas a sua conversão ao Cristianismo permitiu que a Igreja fosse actuando e lhes inculcasse o dever de cumprir com os Mandamentos – lentamente, porque depressa e bem não há quem e, afinal, era desses bárbaros com pouco polimento que a Igreja precisava de se servir como padres e bispos.

Frutuoso era um desses visigodos, de família nobre e rica. Ficou órfão muito novo e estudou numa escola episcopal, destinando a sua vida ao serviço da Igreja. No início da idade adulta teve, porém, ânsias dramáticas de mudança: deixou Palência, foi para El Bierzo onde os seus pais tinham boas propriedades, deu tudo aos pobres e decidiu tornar-se eremita. Qualquer buraco lhe servia de casa, passando os dias na contemplação da obra de Deus. A sua fama, no entanto, espalhou-se e rapidamente começou a chegar grande cópia de pessoas de todos os tipos: velhos e novos, escravos e senhores, soldados e generais, todos trazendo as mulheres e os filhos, se os tinham. Perante tal afluência, lá tiveram que se começar a construir casas que, ao longe, pareciam uma aldeia. E foi assim que nasceu o primeiro mosteiro fundado por Frutuoso. Homens e mulheres, apesar de partilharem o espaço, levavam vidas separadas. As crianças estudavam na escola, preparando-se para servir a Deus. A tudo Frutuoso deu regra, sendo das mais importantes a obrigação da vida comunitária e o trabalho para a satisfação das necessidades do corpo.

Terminada a obra involuntária, desejou retomar a vida de eremita, deixando o cenóbio que fundara. De novo procurou a solidão no meio de serras agrestes, mas de novo tudo se repetiu e lá teve de recomeçar a partir do zero. E também dali se escapou, assim que viu que tudo estava bem encaminhado. Mas de nada lhe valeu. O processo repetiu-se outra vez, e outra, e outra… dizem que foram, pelo menos, vinte os mosteiros que criou, sempre em lugares inacessíveis das montanhas da Galiza, da Bética e, até, da Lusitânia! E sempre acompanhado dos códices da sua biblioteca, a única companhia de que nunca se separava.

Cansado desta vida, quis empreender peregrinação à Terra Santa, mas nem esse desejo pôde concretizar, pois o rei Recesvindo mandou-o prender em Toledo porque queria fazer dele bispo de Dume (ao pé de Braga) e foi já nessa condição que participou no Concílio de Toledo (ano de 656) onde a sua presença foi muito estimada e o seu conselho muito ouvido. Durante esse mesmo Concílio, e perante a resignação do bispo de Braga, foi eleito bispo dessa diocese, assumindo as duas prelazias. Pobre do S. Frutuoso, que quanto mais ansiava pela solidão, mais os homens exigiam a sua presença!

 Lá foi ele para Braga em cujas proximidades, naturalmente, fundou mais um mosteiro (Montélios). A par do mosteiro, quis que se fizesse um templozinho, de planta simples, como se fossem quatro cubos unidos uns aos outros e que é hoje um dos mais originais exemplares da arte visigótica da Península Ibérica (1). No exterior do “cubo” virado a Norte, mandou que se rasgasse um arco para aí encravar a sua sepultura (arcossólio). Já que em vida não pôde, pelo menos que na morte lhe fosse permitido, sem grandes obstáculos, contemplar sossegadamente a obra da Criação.

A fama de Frutuoso persegue-o. Fala-se de milagres singelos em que salva animais de serem caçados e pessoas de se afogarem nos rios. A Braga, não param de chegar peregrinos para o escutarem e monges para o mosteiro. Braga cresce e Frutuoso morre (c.665) quando já todos lhe chamam santo.

Braga continua a crescer, embora a situação se complique muito porque um turbilhão de cavaleiros com turbante na cabeça e cimitarras na mão, vindos do Norte de África, conquistaram rapidamente o Reino dos Visigodos e instalaram o culto a Alá. No tempo dos mouros, muitas coisas são destruídas, mas não a fé nos milagres de S. Frutuoso cujo culto retoma o antigo fulgor mal o Norte peninsular é reconquistado pelos cristãos que se tinham refugiado nas Astúrias. São os ossos deste santo que o bispo Diogo Gelmires roubará, 400 anos depois da sua morte, temendo que Braga recuperasse o antigo brilho e impedisse Compostela de florescer.

Que terá pensado S. Frutuoso da aleivosia do bispo?
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Notas: 
(1) A planta do templo de S. Frutuoso tem um nome: diz-se que é em "cruz grega" (+, ou seja, em que os braços da cruz  cortam o eixo vertical pelo meio, por oposição à "cruz latina", †, que é a mais comum entre nós.).

Estas e outras fotografias do templo de S. Salvador de Montélios podem ser vistas na página do IGESPAR
A fotografia que abre o artigo mostra-nos uma estátua de S. Frutuoso presente na Sé de Braga.

8 comentários:

Augusta disse...

Agora já sei! E pergunto eu: seria a sua fama de salvar animais que fez com que as gentes de Rebordainhos, e penso que das redondezas, levassem os animais doentes a Teixedo?
Bem eu sei que os faziam passar na égua do rio, mas S. Frutuoso também está lá.
Continua. A tua sabedoria e "ratice de biblioteca" contribuem para o nosso enriquecimento cultural.
Beijinho

Elvira Carvalho disse...

Continua muito interessante esta narrativa histórica. Espero a continuação.
Um abraço e bom fim de semana

A. Fernandes disse...

Ó Fátima, o que a gente aprende contigo!
Este teu atento discípulo aguarda impaciente a terceira parte da tua lectio. E, já agora, deixaste-me com vontade de peregrinar até ao vale de Teixedo, onde nunca estive, mas que sempre me fascinou. Recordo-me de o meu pai dizer que a poveca que aí existia acabou por causa das maleitas, devido ao pouco sol que ali batia. Terá por ali feito S. Frutuoso algum ermitério?
Bjs.

A.Fernandes

Fátima Pereira Stocker disse...

Augusta

Boa leitora, e arguta. Acompanhaste-me no raciocínio.

Beijos

Fátima Pereira Stocker disse...

Elvira

Obrigada!

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Em podendo, não deixes de ir a Teixedo.As fotografias que vou publicar no fim não fazem jus à beleza do vale nem, sobretudo, conseguem transmitir a sensação de paz que lá se respira.

Beijos e obrigada

antonio disse...

Eu tenho numerosas e engraçadas recordações de Teixedo e do S. Frutuoso... como todos sabem era anexa de Pombares, e esta fazia parte da Paróquia de Rebordainhos... com o Sr. Pe João fomos dezenas de vezes para lá... inclusive no dia da romaria, que era dia de festivo jantar (merenda), covidados de uma família de Pombares muito amigos da família do Pe. João. Minha irmã Izilda quase todos os anos cantava lá o fada no "autofalante"E outra moça dos Pereiros... Comprou também, o Padre João um moinho com um lameiro onde me deliciava dias a olhar à minha volta com a ribeira a correr lentamente e o rodesio do moinho a dar voltas e mais voltas. A história do S. Frutuoso foi-me contada pelo Padre João mas menos detalhadamente da que nos enriquece através da Fátima e nós ficamos imensamente gratos. Abraço aguardo ancioso a conclusão...

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho Braz

Pois muito me contas tu! Não fazia ideia de que o P.e João era dono do moinho de Teixedo e do lameiro onde fica. Em miúda ainda o vi a trabalhar, mas agora está em ruínas. Era um moinho de água.

Só me lembro de ir um dia à festa de Teixedo(era pequenina)e do piquenique que por lá fizemos. Eu acho que deve ter ido quase o povo todo de Rebordaínhos, porque a imagem que guardo na memória é a de muita gente junta.

Se calha, ouvi a Izilda a cantar o fado, mas isso não me alembra. Que pena: agora, sempre poderia dizer que lhe conhecia a arte.

Beijos e obrigada