quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O MEU PRIMEIRO CARNAVAL EM REBORDAINHOS

Por

ANTÓNIO AUGUSTO FERNANDES

Isto vem a propósito da interessante galeria de passaportes publicada pelo Rui. Já não vou a tempo das identificações, mas esta eu sabia! 

Embora na altura eu fosse um imigrante de fresca data em Rebordainhos, não podia deixar de me lembrar bem do tio Guilhermino e por dois grandes, enormes, motivos. 

O primeiro: por volta de 1950, tinha meu pai suspendido as suas funções de guarda da PSP em Bragança, com licença sem vencimento, por motivos relacionados com uma promoção qualquer em que se sentira preterido e assim regressou a família a Rebordainhos. Por essa altura andava o tio Guilhermino em negociações com o tio Ernesto, marido da D. Denérida e irmã do P. João, então professora em Espadanedo, para ficar com o soto situado onde hoje é a casa da Sr.ª Júlia, filha do tio Eurico. O tio Guilhermino e o meu pai eram do mesmo ano de 1919 e grandes amigalhaços. Ora um dia aparece o meu pai em casa muito excitado a pedir uma vassoura a minha mãe porque ia ficar com o soto do tio Ernesto. O tio Guilhermino tinha mudado de ideias: ia embarcar para o Brasil. E lembro-me muito bem da ocorrência, porque, nesse tempo, embarcar para o Brasil era aventura enorme, quase um adeus definitivo: o caminho era longo e caro, e, por isso, as hipóteses de uma visita à terra eram mínimas. Assim, quem partia dava volta ao povo a despedir-se de toda a gente porque toda a gente do povo se sentia como uma grande família. 

Agora o segundo motivo da minha alembradura: nós morávamos, então, à Portela, em casa da minha avó Adriana, onde agora é casa do meu irmão. O Luís, filho do tio Guilhermino, andava ali por casa do avô, o tio Ramos ferreiro, nosso vizinho que eu muito admirava pelo seu labor de Vulcano e muito temia pelo seu vozeirão tonitruante. Era dia de Entrudo, e eu muito tranquilamente tasquinhava um carolo de centeio na varanda da avó. O Luís do tio Guilhermino sobe as escadas muito lampeiro e, sem mais aquelas, atira-me um punhado de farinha às ventas. Eu, ignorando que tais eram os rituais do Entrudo em Rebordainhos, ferro-lhe um valente pontapé nas canelas, com o denodo de rebordainhense de casta. E o Luís, claro, tão injustamente incompreendido no seu espírito de folião carnavalesco, desata num berreiro descomunal. Alarmada com o estridor do choro, acorre da cozinha minha mãe e corrige a minha falta de espírito carnavalesco com respeitável bofetada. E aqui está como termináramos os dois a celebrar o meu primeiro carnaval em Rebordainhos: a berrar como dois vitelos desmamados. 

Já vêem por que motivo eu não posso esquecer nem o tio Guilhermino nem o Luís, que é hoje, ao que sei, neurologista afamado em S. Paulo, no Brasil.

10 comentários:

Fátima Pereira Stocker disse...

Nota de edição

A fotografia que ilustra o artigo data de 2006 é do meu primo João Manuel, a quem agradeço.

Não mostra exactamente o "local do crime", mas mostra boa parte do bairro da Portela, com a forje do meu avô Ramos logo ali à esquerda.

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Bem-hajas por continuares a colaborar connosco e a dar-nos conta das tuas alembraduras que nos fazem rir e matar saudades.

Beijos

Augusta disse...

Tonho:
Que saudades das tuas crónicas. Imagino que o coro a duas vozes não estivesse muito afinado!
E grata por recordares um episódio em que entra um membro tão querido da nossa família.
Beijos

linksdistodaquilo disse...

Navegando, encontrei este espaço. Vou ficar e acompanhar…

Olímpia disse...

Bem hajas António por mais este belo momento.
Realmente este carnaval foi mesmo para não esquecer! Mas que grande sinfonia!

Bjo

Olímpia

Américo Pereira disse...

Olá Tonho, tudo bem? Um bom ano.
Gostei do episódio do carnaval que
nesse tempo quem não fizesse uso da
farinha não brincava ao carnaval.
As tuas crónicas são de factos tão
reais que a pessoa está a viver o
momento. Aprecio o teu estilo que
usas para descrever porque é feito
com todos os pormenores.
Um abraço. Américo.

Fátima Pereira Stocker disse...

Nita

Obrigada pela visita e por ter gostado. De curiosa também dei uma espreitadela em sua casa. Irei lá mais vezes.

Um bom ano

Chanesco disse...

Fátima

Que memórias me trouxe o António com a descrição da despedida de quem vai emigrar, sem saber que chão irá pisar e com dúvidas quanto ao dia do regresso.

Um abraço e BOM ANO para todos

Rui disse...

Boa noite,

Sr. António, obrigado por partilhar mais um retrato das suas memórias. Esse inaudito modo de escrever que lhe é característico coloca cada um de nós a viver o acontecimento. Obrigado também por isso.

Cumprimentos,
Rui

A. Fernandes disse...

Obrigado, Rebordainhenses e demais amigos pelas vossas palavras amistosas para com as minhas alembraduras.
Bom ano para todos.

António