domingo, 29 de junho de 2008
Esquecida
ESQUECIDA
Canto a história de um pranto
Nascido e vivido de um canto…
Por momentos julgado,
Mas amado.
Naquele dia… tarde… dois
Novembro, sol de Abril foi
O choro, o grito e a angústia….
Pelo amor e a dor do medo de justiça,
Que gritei como quem está só.
A dor e o tempo no vento dos lábios
De um lençol de lágrimas…
Branco como tu branca, e eu…
E assim fiquei.
Caminhada…, ida e pensada,
Horas perdidas de uma noite
Longe de não ver o dia de te ver…
No lençol que outrora te cobria
Esse corpo desfeito do cutelo
Que o rubro cravo desleito nesse peito…
O transformou por todo o tempo.
E os brancos seios de bicos
Dourados, amados, vêm, cortados,
Pacíficos beber a sede,
De amor e dor…
Por eles correm
Ténues fios de um frio
Escaldante, … e caem…
É o fogo, o lodo…e o fundo.
Um suspiro de lágrimas, …um grito.
Uma dor ofegante respirada.
É tudo, e é nada…
E eu e a preta cor do amor proíbido
Morro.
Foi melhor assim.
E acordo e recordo…
O Amor.
Orlando Martins (2002-08-14)
sexta-feira, 27 de junho de 2008
Padre David Ramos Fernandes
Tive a oportunidade de o conhecer, ainda criança, em Montemor-o-Novo. Ele era visita habitual da casa de meus tios, onde eu passava muitos dias das férias escolares.
Dele só me lembro da sua viola e da sua alegria quando nela dedilhava, da afabilidade para com a gente pequena e do entusiasmo com que era recebido lá em casa.
Três décadas depois, ao visitar essa minha tia para apresentar a minha futura mulher, veio à baila a naturalidade da Fátima e só então fiquei a saber que aquele Padre que eu conheci na infância, ainda era nosso primo.
No passado dia 8 de Junho (almoço da Junta) foi colocada parte de uma imagem, por ele feita, junto à nossa Igreja Matriz, um gesto de agradecimento e respeito patrocinado pelo Sr. Padre Estevinho e pelo Presidente da Junta, com o aplauso de todo o povo de Rebordaínhos (ver o post ainda o almoço da Junta).
O blog não quis deixar passar a data sem a assinalar prestando-lhe esta homenagem que, embora modesta, é do coração.
Deixamos em baixo links para a pouca informação de que dispomos.
Jornal Mensageiro - Comunidade fotográfica
Mais duas bonitas fotos de "Rebordaínhos" venceram, empatadas, o concurso de "foto da semana". As mesmas figuram com o meu nome pelos motivos que já expliquei no post referente às fotografias da semana anterior.

autoria de Emília Caminha
classificada em 1º. lugar com 5 *****
"Caroujo"
Autoria de Olimpia Pereira
Primeiro lugar com 4 ****
"Casa d'além"
Foram enviadas mais duas fotos, uma da Olimpia, (pormenor da casa d'além e outra do cão do Toninho, tirada por mim, e que foi a pior classificada da semana. Parabéns às vencedoras ; as minhas desculpas à cadela!
Penso que a foto de pormenor da "casa d'além " tem uma história associada à concavidade da pedra. Se alguém a quiser desvendar, deixe o seu comentário.
Visualizar todas as fotos
Trindade Coelho: Centenário da sua morte
Ver a noticia completa em: http://ntmad.blogdrive.com/
blog da CTMAD
quinta-feira, 26 de junho de 2008
Nomeadas
Aqui fica uma lista de nomeadas. Quem se atreve, sem ser da família dos visados, a dizer os nomes próprios e apelidos de cada um?
Eu tenho a certeza que me faltam muitos. Quem ajuda, para que se acrescente?
Êlhe , Engenheiro, Escachado
Façana , Farinhoto, Fecisma , Ferrinho , Foguete, Fouce, Frade, Fuseiro
Labaredas, Leque, Lhé , Lobo, Lunetas , Luzerna
Macieira , Malaguetas, Mandinho , Maneta , Manias , Maralha , Maria Narcisa , Marquesa , Milano , Mocho , Moucha
Nelzeira , Nharro
Pacheco , Pachica, Panarra, Pastora , Pataca , Pateiro , Patinge, Patolas , Patorro, Pedro, Pelada , Pereirinha , Picarete , Pilatos, Piloto, Pintassirgo, Piqueno, Pincha, Pinguim , Pinote , Pintana , Pote
Rastreja , Rata, Rente , Ruça
Sacheco , Santa , Santacombinha , Santo, Sarrolha , Seco , Serrinha , Sorna , Sortes , Sota
Taré , Tição , Torto , Trocho ,
Zãeno , Zarrunga
Fátima Stocker
terça-feira, 24 de junho de 2008
Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro (CTMAD) em Lisboa
Parabens pelo v/ blog. Já está no nosso index em:
http://ntmad.wordpress.com/
http://ntmad.blogdrive.com/
http://ntmad.blogspot.com/
Oportunamente será colocado noutros sítios da casa (http://ntmad.wordpress.com/sitios-da-casa/)
Um abraço trasmontano-altoduriense.
CTMADAproveito para sugerir que os nossos visitantes efectuem visitas aos sítios da casa, através dos links acima referenciados, pois encontrarão lá iniciativas e artigos de interesse. Acrescento, para os que estão em Lisboa, que já foi lançada a primeira pedra da nova sede, numa zona nobre e muito aprazível da cidade de Lisboa.A inscrição como sócio é simples e expedita, podendo ser feita pela Internet e a importância a pagar é de 20€/ano, (não havendo jóia) e 5 € para o cartão.Já depois de publicar este post, recebi um mail do nosso colaborador "Júnior" Rui Freixedelo, a informar que as freguesias do nosso Concelho que figuram nas páginas da CTMAD são as seguintes:
Coelhoso, e Rio de Onor
Os nossos agradecimentos ao Rui por tão pronta colaboração
sábado, 21 de junho de 2008
Novo fôlego
O Tonho é, desde agora, novo colaborador do blog. Escreve com uma qualidade de cortar a respiração e com uma pureza que regala a alma. Abençoado Francisquinho Ribom que lhe ensinou as primeiras letras. Abençoado o Tonho que nos oferece uma série de textos memoráveis a que deu o título geral de Ares da Serra.
São textos mais longos do que aquilo que é costume publicar-se nos blogues, mas cada um tem uma unidade tal que dividi-los em capítulos seria desvirtuá-los. Os leitores do Rebordaínhos saberão apreciar a publicação integral.
Iniciamos a série Ares da Serra com o magnífico retrato do nosso orgulhoso e livre concelho medieval.
Bem-hajas, Tonho.
Fátima Stocker
ARES DA SERRA
por
Ora foi por essa altura que o Estado Novo se lembrou de que, lá em cima, nos picotos da Serra de Nogueira, uns trezentos serranos bravos lutavam pela vida, rodeados de soutos e touças onde, no Inverno, uivavam os lobos mais bastos que pardais nas eiras depois das malhadas e no Verão o sol causticava. E então mandou rasgar, a pá e picareta, aquela estrada madraça que, ainda hoje, os liga ao IP e à estação de caminho de ferro e ao vasto universo. Até essa altura, naquele fim do mundo a mil metros de altitude, a vida decorria sem sobressaltos de maior, atreita apenas às maleitas em que a vida era pródiga e a querelas, rixas e alegrias comunais que os serranos vinham vivendo desde sempre, em moldes idênticos aos dos tempos velhos em que D. Sancho II lhes concedera foral. Até à construção da estrada só dali se saía a pé, de burrico ou no pachorrento carro de bois alcandorados nas poderosas rodas de freixo maciço que alagavam os velhos caminhos com a melopeia cheia de trinados das treitouras bem cingidas aos eixos rijos como aço. Eram desses carros de bois, com a mesma configuração que apresentam nas iluminuras do Livro de Horas do senhor D. Manuel, o primeiro de seu nome, que dependia o ténue tráfego comercial: levar os sacos o centeio e a batata sobejos do sustento das suas gentes e trazer o parco arroz, o pozito açúcar, o cotim das andainas e o aço para apontar as guinchas de arrancar batatas e os enxadões de desfazer monte.
Os três quilómetros até Rossas, percorriam-se, pedibus calcantibus, pelo carreirão de Arufe, tortuoso como sendas do Tibete: as mulheres em chinelos e com os sapatinhos de polimento guardados na saquita de chita para serem calçados
A linguagem em que exprimiam alegrias, dores e necessidades do quotidiano rescendia ainda ao galaico-português em que os trovadores do século XIV haviam chorado os seus males de amor. O pão de cada dia estava dependente do sol que fazia germinar as sementes, das chuvas que fecundavam a madre da terra, das trovoadas que em minutos arrasavam o labor de um ano e de Deus que pontificava na sua igrejinha de granito no centro da aldeia que uma pedra no ângulo do campanário data de 1745.
Os insecticidas eram ainda desconhecidos: os piolhos desbastavam-se muito ecologicamente a sabão macaco ou estourando-os entre os polegares e o escaravelho da batateira, recém-aparecido, ao que se dizia, por malandrice americana, afogava-se em latinhas com querosene.
Na roda do ano, a alimentação cingia-se ao pão negro de centeio, à batata e ao conduto fornecido pelo porquito de ceva que se imolava pelo Natal e guardava na salgadeira ou dependurado no fumeiro sob a forma de alheiras e salpicões, porque à escassez dos meios naturais acrescia a penúria herdada da guerra há pouco finda. − Haja saúde e coza o pote − como diz o outro. Mas o negro pote de três pernas pouco mais cozia que batatas com couves e, quando bem calhava, a talhada de toucinho com que se adubava o caldo e, mais raramente, a magra postita de bacalhau, caro como o lume! Ceava-se caldo e batatas e almoçavam-se, de madrugada, as batatas e o caldo sobejos da ceia. Uma sardinha para cada um, quando o sardinheiro adregava de passar, e quanto a chicharros − dos três vinte a cinco tostões − um para cada dois. O pão moía-se no moinho comunal do Catrapeiro e, cada quinze dias, com grandes gabelas de urzes e giestas em que o monte era pródigo, esquentavam-se os fornos que, embora individuais, tinham utilização comunitária, e ali se coziam aqueles pães centeeiros grandes como rodas. Outros mimos como o pão de trigo, o chibinho medrado entre urzes e tojo pelos montes ou o naco de vitela só nas festas assinaladas no calendário. E ninguém tinha o desplante de celebrar aniversários: era lá coisa que se festejasse a data da entrada neste vale de lágrimas! E tirava-se também a barriga de misérias nas celebrações rituais da fartura − as malhas e a matança, com sua licença, do porco. Era este, o cevado, para o qual se inventara o familiar chamadoiro de larego − o amigo do lar − que regalava os palatos serranos com os petiscos mais mimosos: aqueles salpicões muito engelhados e de estética atroz que sazonavam no fumeiro e se saboreavam em rodelas finas cor de vinho velho sobre o carolo de pão de centeio, aquele presunto róseo marmoreado, inventado por algum deus desconhecido para deleite dos seus comparsas no Olimpo e concedido como consolo aos mais afortunados dos mortais. E as alheiras? Pelas manhãs cintilantes de geada, evolava-se pela telha vã das cozinhas e pairava sobre a aldeia uma névoa ténue amarrada pelo frio em que se enlaçavam o cheiro acre da dos cavacos de carvalho ardendo sobre a laje sagrada do lar e o aroma dessas alheiras alourando sobre as brasas e depois acompanhadas pelas vastas malgas de café de cevada. É a excelcitude destes prazeres concedidos também aos pobres que nos faz compreender o culto antiquíssimo ao porco traduzido em dezenas de megálitos com o nome e a forma aproximativa de porcas ou berrões, espalhados por todo o Nordeste. O cochino, durante a ceva era tratado com cuidados de mulher parida, com todos os mimos: farelo, grão, nabos, castanhas, as perfumadas castanhas mamotas que os ganapos pilhavam do caldeirão onde se lhe cozia a vianda, dependurados sobre as grandes fogueiras do Inverno incipiente; e ainda aquele luxo das folhas de negrilho que a juventude mais lépida ia ripar nos ramos cimeiros dos olmos que se erguiam como espeques nas estremas dos lameiros; essas folhas, ásperas como lixa, raspavam os intestinos do bicho e, diziam os antigos, davam aos presuntos curados na aldeia um não-sei-quê que os distinguia de todos os outros.
Mas isso era papa fina afugentada do cotio e reservada para os dias assinalados na folhinha ou dos trabalhos maiores ritualizados na roda do ano, como matanças ou malhas. De resto, o passadio do dia-a-dia, de uma austeridade cenobítica, esbeltava os corpos, enrijava as almas e deixava-lhes o céu garantido.
O termo da freguesia abrange os seus doze quilómetros quadrados, mas quase tudo cerros escalvados de terras delgadas que nunca tentaram frades de ordem rica nem senhores de pendão e caldeira. E porque os ricos e poderosos nunca cobiçaram tais terras, todos eram donos e senhores de leira onde colher as suas cinquenta ou cem pousadas e de belga onde plantar a cesta de batatas e o talo de couve galega para o caldo, o que lhes dava direito a sentirem-se donos e senhores da sua vida e alijar qualquer tipo de canga. Dignos de serem agricultados à maneira do sul só alguns vales, engordados pelo húmus que, ao longo de séculos as enxurradas iam arrastando dos altos e que tivessem água de nascente, para lameiro ou batatal. Mas, como abundava a mão-de-obra, todos os cerros andavam a cultivo. Esgaravatavam-se montes e pedregais onde só o centeio, amigo do serrano, resistente a secas e geadas, vingava para que, havendo pobreza, não houvesse miséria nem se morresse à míngua.
Nos princípios do Outono, os plangentes carros de bois chiavam pelos caminhos de touças e soutos atestados de toros de carvalho e ramos sobejos da poda dos castanheiros, deixando os sequeiros à porta de casa abastecidos para enfrentar a longa e ríspida invernia que se fazia anunciar pelas primeiras chuvadas e pelas névoas que toucavam a Serra dos Pereiros.
Pelos Santos, era já com os dedos engaranhados pelo frio dos nevoeiros outonais e pelos primeiros sincelos que os castanheiros pingavam as castanhas mais temporãs. Em dia de Todos-os-Santos, os garotos acudiam aos soutos acendendo grandes montes de fetos e giestas secas onde tostavam as primeiras castanha da temporada. Com a sua malguita de marmelada e meia dúzia de malápios trazidos nas sacolas de remendos festejavam o primeiro feriado do ano com mais orgulho e sarambeques que sibaritas orientais.
Na poveca serrana não se podia dizer que houvesse pobres e ricos, mas apenas uma pequena diferença entre pobres e menos pobres, cifrada em uns alqueires de centeio e umas sacas de batatas a mais de um lado ou de outro. De resto, todos ganhavam honradamente o pão de cada dia com o suor do próprio rosto e a ajuda do vizinho, não se registando desequilíbrios sociais suficientes a engendrar qualquer hipótese de revolução ou conflito social. Uma que outra casa lá tinha o seu moço de lavoura, quase sempre de fora, que tinha alojamento no palheiro, com duas mantas encafuadas no feno bem cheiroso, aquecido pelo bafo das vacas, dentro de todos os requisitos da ecologia.
O Largo do Prado era o centro social onde se enfrentavam as duas tabernas concorrentes mas amigas. Aos domingos de tarde, ouvida a missa do P. Amílcar, para aí vinham os homens espairecer sob a bênção patriarcal de um freixo e um negrilho monumentais, enquanto as mulheres abancavam à soleira da porta de casa para desenferrujar a língua e pôr em dia os faits-divers comunais. Aliás o freixo do Prado tinha a sua crónica: uns anos por outros, aparecia um figuro da cidade que pagava um cântaro de vinho ao pessoal e, numa solenidade de rito, ia lançar ao tronco da árvore o copo que lhe era devido, em memória do avô que o tinha plantado há que vidas. A rapaziada mais espigadota, ainda com ânimo para tais folestrias depois de uma semana agarrados ao cabo do enxadão ou à rabiça do arado, jogavam ao fito, à relha ou ao calhau, muito esfuziantes e provocadores na meça de forças, sobretudo quando passavam as moçoilas, muito louçãs nas suas chitas domingueiras, fingindo-se ariscas no faz-de-conta de algum recado urgente e lançando o rabicho do olho para os conversados. Os mais entradotes a quem os anos já tornavam mais pesada a rabadilha e amainavam as quenturas do sangue, abancavam para uma partida muito vozeada de sueca ou o chincalhão a quartilho fraternalmente partilhado por todo o adjunto. E, por altura das ave-marias, quando as mulheres embiocadas corriam pressurosas para o Terço, uma animação muito pingueira estrondeava já por todo o Prado.
Ao centro do largo gorgolejava uma bica que trazia a água encanada lá de cima, do Lombo-de-à-Igreja, sítio do lugarejo primitivo, de reminiscências castrejas, um alto pedreguento batido de todos os ventos, donde se avistavam muitas léguas em redor, com as vantagens defensivas que a localização representava nos grossos tempos dos avoengos que de lá devem ter avistado as legiões de César calcorreando a via romana vinda de Salmantica em demanda de Aquis Flaviis, galgando a serra lá em cima, na garganta do Pórto. Lombo-de-à-Igreja lhe chama o povo, que os topógrafos, ou por uma ignorância a crassa ou por dureza de ouvido, cadastraram como Agreja.
Além dessa bica e de uma outra mais aristocrática, gizada pelo Sr. professor Francisco Ribom junto ao pelourinho, matava-se a sede, pela concha da mão ou pela aba do chapéu, da Fonte Grande, da Fonte do Espinheiro e da Fonte da Vila, três fontes de chafurdo, de água granítica abençoada, com a naturalidade bíblica e a falta de higiene de quem desconhecia a existência de termos obnóxios como poluição, micróbio ou bactéria.
Nesses tempos, à aldeia assistia ainda o designativo de vila usado pelos dos Pereiros, com origem em velhos tempos, não menos pobres, mas de maior prestígio, conferido por foral de D. Sancho II e atestado pelo velho pelourinho que perdera já a cabeça e os anos corcovavam sobre a fraga esconsa que lhe servia de soco, à ilharga da Igreja e pela memória da Casa da Cadeia, então adscrita a habitação do professor. De resto, a aldeiazita de cem fogos, vista de longe, tinha um ar airoso: ruas assaz direitas e largas para o comum das aldeias nortenhas, espraiada pela encosta voltada a sul e de costas para Espanha. A poente alteava-se a cumeada da Fraga do Berrão, onde em tempos presidira a divindade tutelar de uma porca como a de Murça, furtada, diziam os antigos, pelos de Parada; em frente, barravam-lhe o horizonte os longes azulados da serra de Bornes, e a leste a linha esfumada do planalto que vai de Mogadouro a Miranda. Olhada do Alto da Cabeça que lhe ficava defronte, o povoado tinha o seu quê de prazenteiro, porquanto a tristura das paredes negras de granito e dos telhados pardos do musgo se esvaía, amaciada na grande profusão de verdes: negrilhos, calineiros, macieiras e nogueiras e os remendos mimosos dos hortejos entremeados com as casas. Aqui e além, a mancha de cal dos muros da Casa da Aula, da Igreja e do Cemitério e mais três ou quatro casas, desabrochava como flores de esteva sobre fundo de urzes e codeços.
Caldeados pela aspereza do clima e rijeza do solo, os serranos não eram particularmente expansivos, mas também não eram, de seu natural, azedos. Parcos de palavras, até na brevidade com que narravam os casos da vida ao serão ou suciando pelas tabernas, lá se tornavam mais palavrosos com o copito bebido à sobreposse. Então diziam o que deviam e o que não deviam e rebentavam altercações breves como tempestades de Agosto que os mais cordatos e menos bebidos amainavam sem sobressalto de maior. Calçavam-se tamancos talhados em amieiro pelo tio Grilo soqueiro e vestia-se cotim chita; a roupa interior, quando calhava de se usar, era de tomentos que produziam sobre a pele o efeito penitencial da lixa sobre a madeira. Mas era gente de alma lavada como geralmente são os habitantes das serras, afeitos a ares limpos, horizontes largos e habituados a apenas terem Deus acima de si. E, como que demarcando essa única dependência, já os antigos tinham erigido cruzes de pau tosco sobre soco em cantaria bruta nas quatro entradas da povoação: a caminho da Tempa, pelo leste, na saída da Airoá, a sul, à Corredoura do lado poente, e a norte quando se vai para a Tergaça, porque, sem perderem muito tempo com beatérios, conservavam o sentido do Transcendente e aprestavam-se de boamente a desencardir a alma e receber Nosso Senhor pela Páscoa da Ressurreição. Nas tardes de trovoada brava, quando os alustros fuzilavam sem relego e terrincos medonhos pareciam querer afundir o mundo, quem mais por perto andasse da Igreja apressava-se a ir desinquietar do seu nicho de santo um S. Silvério, papa e mártir muito maneirinho, de dois palmos. Debaixo de um vasto sombreiro de doze varas, o santo lá se deixava transportar para o adro como infante ao colo de alguma comadre, muito compostinho com sua mitra e báculo. Voltado para a serra a poente, ficava-se em contemplação, futurando das misérias que a violência dos elementos poderia acarretar a agros e criação se não lhes acudisse. E o santo acudia-lhes sempre, porque aquela gente era boa quando podia e a vida a não aporrinhava em demasia. De tal protecção acrisolada tinham a certeza os serranos quando, no dia seguinte, pelos soalheiros se fazia relato muito bisbilhotado e condoído das desgraças sucedidas nos povos em volta: um castanheiro de séculos rachado de alto a baixo, trinta ovelhas fulminadas, um batatal arrastado pela enxurrada… E sabe-se lá mais o quê! Este São Silvério que pontificava à esquerda do aro do presbitério era um santo muito da devoção da pequenada, fosse pelo seu tamanhinho, fosse por fazer com muita virtude as vezes de Santa Bárbara nas trovoadas. Trocadamente pintado de roxo por algum pinta-monos menos familiarizado com a hagiografia, mais tarde foi reconduzido aos seus trajos brancos de papa e parece que ainda assim se mantém.
De resto cantavam loas ao Deus Menino e arrematavam as roscas do charolo pelo Natal, casavam-se as moças e serravam-se as velhas por um embude, de outeiro para outeiro, pelo Carnaval, celebrava-se a fartura efémera das colheitas no final do Verão e faziam-se filhos por toda a roda do ano, como mandava madre natura. E era assim que a Casa da Aula andava repleta de criancedo: umas vinte rapariguinhas muito conversadeiras para a D. Maria e outros tantos rapazotes brutos e vivaços para o mano, o Sr. Francisquinho Ribom, quando nos tempos sáfaros de hoje não chegam à meia dúzia por atacado e a escola já fechou por falta de quorum.
Os tempos não eram melhores que os de hoje, nem mesmo pintados no retábulo da saudade, bem pelo contrário. Eram outros e assim foram vividos. E, dentro de pouco, vê-los-emos sumidos na voragem dos dias, não figurando sequer como ligeira nota de rodapé nos manuais etnográficos.
Por isso, para que não caiam de todo no olvido, deles aqui se lavra nota, porque a grande história é a que nos moldou a infância a que pertencemos, mesmo quando há muito perdida, se dela nos sobram para sempre uns fiapos de nostalgia guardados nas arcas da memória.
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Jornal Mensageiro - Comunidade fotográfica

Foto de Emilia Caminha
Visualizar as restantes fotos
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Ainda o almoço da freguesia
O lume da rua não chegou para tantos potes e foi preciso acendê-lo dentro de casa. Verdade, verdadinha, bem o agradecemos, porque o dia não estava para mangas curtas.
O serviço de mesa em conferência com quem lançava a comida
Da barriguinha cheia!
E porque os franceses vieram à baila, aqui deixo umas quadras da peça de teatro que escrevi e que estreei, hoje mesmo, na minha escola:
Em constante sobressalto
Porque a corja dos franceses
Tomou Portugal de assalto!
Ceca e Meca já correram
E olivais de Santarém
E às suas mãos já morreram
Centos de gente de bem!
Não há palheiro nem casa
Nem igreja e nem convento
Que não transformem em brasa,
Que não pilhem a contento!
___
P.S: os responsáveis por este blog participaram todos no convívio. Aqui ficam eles, acompanhados pelo Bino, o Presidente da Junta (ao centro)
Fátima Stocker
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Aldeia dos Pereiros
O sossego do local, a extraordinária beleza da paisagem envolvente cheia de matas de carvalhos, pequenos terrenos com pão semeado, o gado a regressar do pasto pela rua principal, aliada à afabilidade sóbria das suas gentes, torna este local em magia ou sonho que as nossas máquinas não conseguem certamente reproduzir.
Das fotografias que obtivemos fizemos este pequeno filme. Alguma coisa aconteceu de errado (certamente a mudança de cartão na máquina fotográfica) e as fotografias, embora tiradas a 9 de Junho de 2008, aparecem como sendo de 2004... Dado que os nossos conhecimentos nesta matéria são escassos, e não querendo perder as imagens, decidimos publicá-las mesmo assim.
(sugerimos que visualizem as imagens abrindo a música que está na faixa lateral do blog)
Viideo da aldeia dos Pereiros -9/06/2008
Visualizar fotografias de paisagens da Aldeia
Homenagem às gentes e à terra dos Pereiros
quarta-feira, 11 de junho de 2008
Almoço da Freguesia (resumo)
Antes do almoço, os padres Estevinho e Jorge celebraram missa em memória e homenagem ao falecido Sr. Padre David, natural de Rebordaínhos. A homenagem contou, ainda, com a colocação, junto à Igreja, de um busto de Nossa Senhora, feito pelas mãos artistas do Padre David e trazido de Bragança para a sua aldeia Natal, por empenho do Sr. Padre Estevinho e a colaboração da Junta de freguesia. O busto (ou melhor: a cabeça) era parte integrante de uma enorme estátua destinada a outra colocação. Como o destino tal não quisesse - e perdidas as restantes partes - Rebordaínhos ficou com o melhor: o dulcíssimo sorriso de Nossa Senhora e uma obra saída das mãos de alguém a quem sempre estimou muito.
O blog está a preparar mais informação para ser publicada no final da semana.
sexta-feira, 6 de junho de 2008
Jornal Mensageiro - Comunidade fotográfica
A tua foto da Igreja, com neve, venceu empatada o concurso da Foto da semana. Uma excelente foto, mas confesso que gostei mais de outra foto que também enviaste, tirada da varanda da tua casa, já noite durante a nevada de Fevereiro de 2006.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Meu menino
Louvem-nas.
Depois de acordadas antes do sol, alimentando a família, animais e outros, lá iam elas… campos fora, cantando, entre dentes, e baixinho, lembrando o seu menino que ficou a dormir.
E à noite depois de a lida se repetir, hora de deitar, ainda tinham tempo, meu Deus e quanto tempo, para o seu menino embalar.
Mãe, o nada deste soneto, é o que te dou, do nada que era sem ter nascido, sem ter sido tu.
Até já.
Dorme meu menino dorme,
Neste regaço de embalar…
Dorme meu menino dorme,
Neste leito de adormecer.
Que a fome nunca há-de chegar,
E juntos iremos saber.
Dorme meu anjinho dorme,
Há muito para acontecer…
Deste regaço terás,
O amor do meu menino.
Dorme então, e verás…
Os sonhos do teu destino
Que te levam para o mar
Num regaço de embalar.
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A tia Maria, mãe de Orlando Martins, nasceu em Vilar de Ouro. Desde tenra idade que, com a sua mãe, foram morar para Rebordaínhos e aí casou com António Martins.
Vídeo de Figuras da Aldeia
Esta montagem foi feita a partir de um vídeo cedido e realizado pelo Evaristo em 2000.